And holding on can be so frightening
I know she's frightened too
But I'll go dancing out in the thunder and lightning
If she will too
If she tells me she will too
Thunder And Lightning - Passenger
Estava um dia fresco e muitas nuvens cobriam o céu. Nenhum aviso poderia ser motivo pro que aconteceria poucas horas mais tarde. Eu aprontava e comandava um pelotão de dragqueens em um evento de caridade. Elas não eram dali e poucas falavam o idioma local. Estava um pouco aflita com tantos saltos altos no meio de uma ladeira toda mal formada no meio da minha quebrada, mas a verdade é que elas foram muito além do que eu esperava delas. Quando a chuva começou a cair, o sentimento de fiz alguma merda com o tempo mesmo sem ter tido feito absolutamente nada além de observar o céu enquanto rainhas dançavam e davam death drops no asfalto. Ali eu já sabia de que se trava de um sonho que estava caminhando para um pesadelo. E ele veio depois de que toda a parafernália já tinha terminada, decidida e celebrada. Agradeci aos deuses e me refugiei por alguns instantes silenciosamente dentro da minha sala de estar. Meus pais me olhavam com cara de poucos amigos mas silenciosamente. Como ousei chegar ali daquele jeito e ser quem eu sou? Quem sou eu pra desafiar a estatística de que não há nenhum LGBTQIA+ na família além de um primo de duas gerações? O quanto eles estavam enganados... E o quanto eles jamais saberiam, pois não é da conta deles saber da vida de parente nenhum.
Sentei em silêncio e assim permaneci. Eu não tinha muito a ver com quem ia levar quem pra casa ou saber lá pra onde elas se refugiavam. Eu odeio gritaria, muita gente e confusão. Mas essa lá fora estava estranha demais e fui olhar. Uma cena tragicômica acontecia e eu comecei a gelar. E o que vi foi perucas e cílios gigantescos voando no meio duma tempestade de vento e chuvisco. Saí correndo pra acolher certas drags que eu vi que estavam perdidas em onde seria o ponto de ônibus, mesmo que a ladeira fosse de uma rua só. Subi com elas nesse temporal, olhando ocasionalmente pro céu. ao chegarmos no fim da ladeira e no meio duma pracinha onde era o ponto, nos abrigamos na estrutura precária que tinha ali. Nada nos protegeria da torrente que despencou do céu.
Uma drag magrinha começou a berrar olhando pra esquerda enquanto estávamos todas agachadas no chão. Tinha um... Que merda era aquilo? Nunca vi tufão nem furação nem porra nenhuma desses redemoinhos por aqui e muito menos um que tinha barriga. Aquela força da natureza que era vento e água parecia algo saído dos meus pesadelos de TOCS, fino embaixo, gordo no meio - uma barriga pra frente que aparentemente comandava a direção - e fino em cima. Uma estrutura ridiculamente anormal e outra vez eu me deparei pensando em que raios de sonhos eu estava. a drag magrinha saiu voando que nem as vacas em aqueles vídeos dos EUA. Eu sentei no meio da grama e lama e fiquei olhando praquilo enjoada e enojada, pensando que se ele se virasse uns quinze graus pra direita, todas nós seríamos engolidas.
O ônibus chegou nessa hora e não consegui perceber mais o que eu estava fazendo, pq eu entrei no modo automático que sempre entro quando o caos reina e eu preciso controlar, senão ele me controla. Friamente eu me via - mas não sentia- colocar as drags dentro do ônibus, me assegurar da segurança de qualquer um que estava passando por ali e até mesmo fiz um curativo primitivo numa panturrilha que jorrava sangue no meio de meias calças rasgadas e enchimentos que saiam de suas coxas. Minha mãe em algum momento subiu a bordo com uma bolsa minha e disse q era troca. Foi pro fundo e lá ficou.
Saímos daquela miséria e entregamos as sobreviventes do caos em suas respectivas tocas, onde me agradeceram até demais - agora além da lama eu estava toda melada de base e batons alheios - e choraram por estarem vivas. Nenhuma delas postou absolutamente anda sobre esse dia ou sobre a coisa que vimos que saia dos céus e chagava ao chão. Mas houve luto pela drag magrinha de noite, recebi uma enxurrada de fotos e vídeos e uma vela amarela queimando pela drag.
A troca que minha mãe trouxe, de roupa, veio a calhar. eu estava dolorida até os ossos por toda odisseia que passei e me troquei no banheiro do ônibus com alguma dificuldade, xingando tudo que existida por aquele dia que nunca sairia da minha memória. Quem mais viu além de nós, e talvez dos moradores da pracinha aquele troço? Pra onde ele foi? O que tinha na sua barriga além da drag magrinha, água, vento e meu ódio por sua estúpida forma? Nenhum dos vizinhos quis me dizer nada, nem uma amiga minha. Me mandou esquecer aquilo, que Deus sabia o que fazia por nós mesmo quando ele era feio. Não concordei nem discordei, a natureza pra mim é sempre neutra. Nós humanos é que vemos beleza ou feiura em algo e eu sei que dentro de mim - com todo meu fascínio por tempestades - se não fosse pelo meu TOC, eu teria ido fazer parte de sua barriga de água, vento e memórias.