Estávamos dentro daquela bodega, eu fingia
não estar interessada em nada, mas eu sempre acabo chegando aos produtos de
beleza de alguma forma. E ainda tinha um idiota, filho do dono da bodega que
sempre me mandava cartas de amor. Será que meu fraco por produtos de beleza faz
com que eu pareça tão feminina assim? Eu nem uso vestido, embora a mãe sempre
reclame... Não há como eu ir à bordo do Velas
Partidas se eu parecer uma lady. E não há nada melhor que estar no navio...
Meu navio. Essas palavras ainda me soam tão estranhas, não é como se eu não o
quisesse. Mas eu nunca pensei que eu herdaria o navio de meu pai tão cedo.
Então voltamos dessas pequenas e quase
diárias compras. No começo do caminho, encontramos duas pessoas nas quais eu
nunca gostei muito, mas eles perguntaram se queríamos ajuda, e minha mãe,
inocente como sempre, aceitou.
- Eu não confio uma agulha nesses caras, mãe,
por que a senhora faz isso sempre?
- Ah, filha, estava tão pesado, e se lembra
de quando você era criança, eles já nos ajudaram diversas vezes...
Então os homens que estavam um pouco ao lado
de nós desapareceram como o vento, mas eu fui correndo atrás deles da mesma
forma. Passei pela Passarela do Horizonte, uma enorme ponte que liga a Ilha a
outra ilha chamada Tenos, a ilha onde ficam ancorados os navios, tem vários
cais e tudo que seja relativo à navegação. Ainda assim, torres altíssimas
estavam espalhadas para todos os lados, era até difícil ver o céu do centro da
ilha. E eu avistei um daqueles homens. Ainda estava correndo, mas não vi as
sacolas que ele levava consigo das compras de minha mãe. Ele entrou num prédio
largo, duas torres seguidas por um pátio enorme, cinza e úmido. E ele corria
desesperadamente, foi ali que eu a avistei pela primeira vez. A Lua. Ela seguia
pelo Céu, rindo, com cordas prendidas aos navios que ela agora era dona. Eu
nunca tinha visto aquela lua andante, que vai de ilha em ilha recolhendo os
navios para si, ao menos, era isso que se contava sobre a Lua. Perdi o fôlego.
Perdi o homem que eu perseguia. Perdi as compras de minha mãe. Perdi a Lua
também, ela já tinha se escondido por detrás das imensas torres de Tenos. Então
eu comecei a andar meio sem rumo, embora meu corpo soubesse muito bem aonde ia,
minha cabeça estava perdida.
Caía uma fina garoa quando eu encontrei a
doca, vazia...
- ONDE ESTÁ MEU NAVIO? - Gritei para ninguém
em especial – Eu... Cadê... A tripulação... Onde... – Perdi todo o sangue do
corpo, eu presumo. A Lua... Ela estava puxando uma corda e o Velas Partidas subia, subia, subia. E homens
caiam como açúcar no café, mas o café era o salgado Mar das Salinas, que se
estendia por toda a parte daquele arquipélago enorme que era a Salinas. E lá
estava Lua, e ela ria, mesmo sem um rosto. E ela ria e levava meu navio cada
vez mais para cima. Cada vez menos meu e cada vez mais no Céu. Quando dei por
mim eu estava sentada no chão, com lágrimas que nem sabia que existiam dentro
de mim. Lua começou a se deslocar para dentro da ilha e eu, fui atrás.
Conseguia ouvir sua risada quando havia torres demais para vê-la. E persegui-a
por três ilhas até que o dia chegou. Dizem que quando é dia, a Lua fica
impossibilitada de se mover. Mas eu não a via também e nada disso eu sabia. Eu
estava numa ilha chamada Cloto, era uma das quatro grandes ilhas e era plana,
com um solo ótimo para agricultura. Mas enquanto eu me escorava numa macieira
para descansar, no que eu menos pensava era naquele bosque atrás de mim. Não
tinha fome, nem sede. Eu queria organizar na minha cabeça tudo que eu sabia
sobre aquele ser místico que rodeava as Ilhas, mas eu não conseguia, minha
mente era confusão. Então, com cheiro de lágrimas e desgosto, adormeci.
- Você sempre me disse que não viria mais
aqui, mas estou te vendo muito bem.
Ah não... Eu não queria acordar, eu estava
velejando... Velas Partidas ainda era
meu e eu estava bem, estava feliz...
- Eu sei que você está acordada, me odeia
tanto que vai me ignorar?
Não, eu não te odeio você é tão idiota... Eu
te amo mais que tudo... Palavras que eu não poderia dizer ali, naquele momento.
Eu me deixei ficar de olhos fechados e disse – A Lua. O que você sabe sobre
ela? Conte-me tudo que sabe.
- E vai me pagar com que? Só quero seus beijos.
Como iria fugir disso tudo? Eu já não tinha
meu navio, meu coração estava selado de tanta dor, mas lá estava ele, passando
seus dedos em meus cabelos, que deveriam estar numa situação deplorável, mas
ele parecia não reparar nisso. Tateando o chão, encontrei sua mão. Que calor.
Então eu era sua e durante aqueles momentos eternos eu esqueci tudo o que havia
acontecido. Só queria me banhar no calor de seus braços.
- Então... Foram mais que beijos, você vai me
contar tudo que sabe sobre a Lua, senão eu te capo.
- Oh, é claro. A Lua é algo que eu nunca vi,
mas vou contar tudo que eu sei.
- A Lua está ali – apontou pro lugar em que
ela estava quando o Dia nasceu.
- Então vou vê-la, finalmente. A Lua foi uma
pessoa, há muito tempo. Mas ela estava envolvida com as forças das Trevas mais
que com as forças da Luz. E você sabe os magos não podem viver em desequilíbrio.
Sabia até demais, o homem que ela amava era
um mago, um membro de uma poderosa irmandade. Ele não poderia se casar com ela,
mas se amavam mesmo assim, conheceu em sua vida, vários magos que tinham
famílias, mesmo sem se casar. Magos ganham muito bem, mas piratas ganham
melhor. Era o que ela dizia, quando ainda era a capitã de um dos mais velozes e
poderosos navios que já existira. – Sei sim, continue.
- Então houve um conselho de anciãos para
decidir o que fazer a respeito dessa pessoa. Foi condenada à vagar pelo Céu,
mas não era como a Lua e sim como um espírito vagante qualquer. Isso encheu
àquela pessoa de ira, e ela se jogou outro feitiço. Ela seria a dona da Noite e
da Confusão. Somente com o tempo ela foi tomando as formas atuais, pois tudo no
mundo se transforma até mesmo os espíritos.
- Há como derrota-la? – suas mãos tremiam,
mas acalentadas pelas dele, isso acalmava um pouco sua raiva.
- Dizem que há uma seleção... Entre aqueles
que continuam dentro dos navios que ela ergue. Não sei dizer o que é nem como
é, mas ela dá a chance dessa pessoa escolhida derrota-la ou servi-la.
- É isso. Eu vou subir. Vou atrair sua
atenção e vou subir!
- Eu não faria isso, atrair a atenção dela.
Ela fere, não sei como, mas dizem que ela fere mortalmente, não faça isso, por
favor... Você ainda nem me contou o que houve.
- Houve que ela tirou de mim aquilo que me
fez ser o que sou. Vou trazer o Velas
Partidas custe o que me custar.
Ele olhou pra mim e suspirou. Não havia nada
que ele dissesse que me faria mudar de posição, sou teimosa demais, orgulhosa
demais e ele sabe disso tudo. Deu um beijo em minha testa e se deixou ficar
olhando o Céu em silêncio, que eu compartilhei com ele, junto às macieiras.
A noite chegou num sopro, e lá estava ela,
rindo. E meu amado, dormindo. Deixei-o e segui até perto de altas pedras que
havia perto de um riacho e olhei, e desejei que ela me visse. E praguejei. O
último dos navios era justamente o Velas e
isso incitava minha ira. Então a Lua viu. Pensei que sim, pois ela parou de rir.
De alguma forma sobrenatural, um elo de luz foi surgindo de seu redondo rosto
sem face, e um raio atingiu em cheio a pedra onde eu me encontrava. Daí em
diante a perseguição continuou, ela ia atrás de mim. Lembrei-me das palavras
dele: ela fere mortalmente.
- É isso. Esse raio é o modo. E se é mortal,
ela vai me perseguir até saber de meu fim. Tenho que usar disso de alguma
forma. - E usei.
Continua...