14 de julho de 2011

UmNavioParaAMorte, apenas.

O Julgamento
Que Injusto. Foi o que pensei quando eu e minha irmã fomos condenados a embarcar sem volta para algum lugar desconhecido. Eu sabia que era algo ruim pela posição indiferente das pessoas, tratando-nos como gado. Ela, minha gêmea e muito mais forte e habilidosa que eu, calada, igual a aqueles que nos julgavam, e junto de nós, uma multidão. Essa multidão era uma multidão de culpados, culpados por algo que nem nós sabemos. Estou indignado por ser tratado desta maneira. Mas cá estou eu. Embora não veja armas, a multidão se aglomera como se fosse o dia de pagar os seus pecados. Eu observo, e meu rosto reflete um misto de perguntas e desafio. Um orgulho bobo nesta hora de desespero. Passa o julgamento, e todos se vão. E eu fico Cá, em pé na chuva esperando o nada. Minha irmã me deixou só. Ela voltou pra casa, tinha coisas para fazer, honestamente eu não sei o que. Já que vamos morrer, o que deveríamos fazer agora, então? Nós tínhamos uma passagem só de ida para algum mundo desconhecido e enganoso. E eu, aqui na chuva, tentando não fazer nada de ruim para mim. Ou em mim.

Dia do Embarque
É um navio enorme, mas um tanto diferente, a proa é arredondada e não funilada como nos outros navios que já vi. A popa também é assim, o que dá a idéia que estou entrando em uma grande banheira. O pior é a feição que vejo nesse povo, um olhar vazio e inexpressivo, são realmente como gado. E lá vão eles. Estou  esperando minha irmã voltar de não sei onde, escorado num canto do cais. E vejo as pessoas passando como zumbis. Eles não falam, não tem nenhuma vontade própria. Na verdade o único que parece ser humano sou eu. Os tons são cinza. Só existe o cinza neste meu mundo. Houve algum dia que avistei outras cores? Não me lembro. Passa agora um gordo orgulhoso e altivo para dentro do barco. Talvez ele seja como eu ou talvez ele seja um idiota. Pois de nada adianta esse orgulho todo se vamos todos morrer. Minha irmã vem, não sei de onde para o meu lado, seu vestido não é como o das outras mulheres, é um cinza escuro, quase a mesma cor da minha roupa. Ela também se comporta como zumbi na maioria das ocasiões. Mas ela é esperta e fiel. O que nos últimos tempos tem sido raro. Lembro que minha avó era muito inteligente. Ou pode ser que não, quando ela morreu, eu tinha sete anos. Minha irmã agarra meu braço como se eu fosse uma rocha de salvação. Ela tem medo. Mas ela olha para dentro dos meus olhos e simplesmente sorri. Um sorriso fraterno, quase de mãe. E eu sinto uma imensa vontade de chorar. Mas deixo essa vontade se calar olhando o horizonte. Eu não vejo nada, o mar reflete o cinza do céu. A única coisa que se distingue é a enorme banheira negra ao meu lado esquerdo. Embarcamos. O Tempo se passa diferente quando se tem a eminência de um desastre. E o Tempo passou que eu nem vi ele por perto. As pessoas vão de um lugar para o outro, mas eu estou só. E continuo observando todos os detalhes. Antes da condenação eu era um mago. Não daqueles de poções, eu criava ilusões. E as pessoas zumbis sorriam. E os sorrisos delas pagavam minha vida. Agora estou aqui na banheira negra e nenhum sorriso. Vejo muitas crianças correndo, mas elas só gritam, nada de felicidade em seus rostinhos bonitos. Não me viro para ver o mar, prefiro ver as pessoas que ver o lugar. 
Estou no convés, na proa e a minha frente existem caixas de papelão que não entendo o sentido delas. São caixas grandes, como se fossem de carga, elas não deveriam estar no porão? Se carregam algo, isso poderia se perder facilmente aqui ao relento. O gordo para do meu lado e pergunta o motivo de eu estar ali indo para lugar algum. Eu o encaro e respondo: provavelmente o mesmo motivo do resto deste povo, por nada. Ele ri. As pessoas ficam olhando para ele como se não fosse deste mundo. E até mesmo eu não gostei de sua postura, parecia um louco. Ou melhor, talvez a risadaria fosse desdém. Ele então diz: "Como nada, meu caro? Todos nós fazemos algo de errado uma vez ou outra. somos todos culpados, destinados ao vazio." Concordo com ele sobre as coisas erradas que todos cometem, mas que direito tinham os outros sobre isso? Que mal fiz a eles? E o gordo abre seus olhos mais do que a natureza lhe permitiria. Talvez ele não esperasse uma resposta como essa, pois não são afirmativas. E toda essa gente só sabe dizer sim e não. "Você pensa... É estranho, eu também penso nisso. Pensei ser o único e agora que te vejo, não tenho mais orgulho de mim." Seu rosto, de altivo e risonho se torna desaprovação e desafio. Foi quando tudo começou a desandar. Não sei de que calor ou chama veio, as caixas começaram a queimar. O povo-zumbi parecia pouco se importar. E eu comecei a me desesperar. Vamos morrer, mas não queimados. De novo não. Tento sair correndo, mas o gordo pegou meu braço direito e diz: "você vai pagar." E coloca em meu  braço duas coisas que parecem ser pulseiras brancas, com um pino para cima, cada uma. 
Minha irmã vem em minha direção. E eu penso que é agora que as coisas vão pro brejo. Tenho que pensar rápido. Digo a ela para avisar do fogo aos dirigentes, capitães ou sei lá o que movem aquele navio. Eles têm que voltar. Ela vê as pulseiras e não gosta nada, mas vai. Mal ela saiu o barco já dava meia volta em direção a terra. O gordo ia de encontro às chamas. As pessoas ao redor pareciam não ligar, e eu decidi sair dali, o melhor é ir para a popa. Mas quando já eu ia saindo o gordo grita que não. Que eu não ia, eu deveria queimar com ele, por eu deter o saber. Então eu saio correndo, não sei com que dispositivo, o gordo fez sair dos pinos das pulseiras que colocou em mim fios que me ligavam a ele. Sua força é monstruosa. Ele me puxa como se eu fosse um boi para abate. Quando dei por mim, estou mais próximo das chamas que deveria estar. Toda a parte onde elas estavam já se consumiu, e as chamas vão para cima e para os lados e não para  os lados e frente e acima como costuma ser. O gordo gritava que temos que morrer o tempo todo. Minha irmã está do outro lado, me olhando. Ela salta o fogo da borda e com um punhal ela corta as linhas que me ligavam ao gordo. Esse choque foi tão grande para o gordo que ele foi caindo para bombordo. Neste movimento, quase instintivo, vou com minha irmã para o lado oposto. Não sei como, mas o gordo parecia levar todo o peso da embarcação com ele, pois à medida que ele ia caindo, o navio ia com ele também. 
A partir de então as pessoas correm, e eu tento ficar mais a estibordo quanto for possível. O gordo vai caindo no mar e a banheira acompanha-o até a sua descida. E inacreditavelmente, após sua saída, ela vai voltando ao seu lugar. Mais da metade do fogo caiu no mar junto com o gordo. Foi como se o seu desejo de ser queimado por deter o saber fosse atendido. Nesse mar cinza, não há como o fogo se apagar pelas águas. O resto que ficou no navio, estava como que grudado as paredes do convés, e ia tragando o resto da parte superior. Sempre para cima e para os lados, talvez um dia esse fogo alcançasse os céus, foi o que pensei naquele momento. O Tempo mais uma vez passou por mim sem que me desse conta dele. Já o perdi de vista várias vezes, mas hoje foi tão abrupto que pensei estar dentro de um sonho. Minha irmã desde que cortou aqueles fios que me ligavam ao gordo não desgrudou de mim, como se soubesse que eu dependia muito da presença dela. Às vezes ela olha para mim, eu retribuo com um sorriso um tanto torto, então ela sorri maravilhosamente e me salva mais uma vez. Penso então como as coisas pequenas são importantes nos momentos mais difíceis. As pessoas zumbis também sobreviveram, não sei como, não consegui captar, foi tudo tão rápido que foi como se eles tivessem sumido por aquele tempo e voltado quando a banheira retornou ao seu equilíbrio. É um mistério e uma tristeza para mim, já que estava deveras interessado nessa gente.

O Porto
Desembarcam aqueles que sobreviveram. Embora tenha para mim que o único morto foi o gordo. No final não interessa, eu queria fugir dali, junto com minha irmã. Deve existir alguma terra não sei onde para pessoas que fugiram de lugares como Cá. Não cometi nem a minha irmã nenhum crime. Conheço as leis daqui e ela também. Nós íamos dentro de certos lugares escondido, para ler. Eram locais tão grandiosos que não encontrariam duas pessoas mesmo que elas estivessem aos berros. Talvez nosso erro tenha sido viver. Ouvi em algum lugar que os que governam Cá deveriam desfazer de certos "custos a mais".  Não entendi muito bem, nós não recebemos nada dos governantes, nunca. Conseguimos sobreviver com as nossas ilusões muito bem, obrigado. Então o Tempo passou novamente muito rápido para que eu lhe dissesse o quanto o admiro, estou indo tomar outro navio. Minha irmã já foi há algum tempo, eu estava querendo me lembrar de certa coisa, mas acabei esquecendo o que era. Então eu fui de encontro ao Porto. Quando cheguei ao cais disse que deveríamos sair dali. Ir embora. Nós não somos zumbis como os outros, nós somos mágicos. Ela segura uma das crianças que a rodeava e diz que ela fora mandada Ali e Ali deveria ficar. Era o seu lugar, sua pátria e mãe. Pois estava Ali porque queria e não por ter sido condenada. É sua opção de vida ir para a Morte Ali.
E ela sorriu para mim dizendo que esse era o destino dela e não o meu. Que eu deveria seguir para Lá, lugar onde tem muita gente de Cá, mas são gente diferente da de Cá, são pensantes como eu, mas não são decididas como ela. Pensantes devem viver para pensar, decididos vivem para o Destino. E o dela é embarcar Ali. Meu rosto se contorceu de dor e angústia, ela é metade me mim. Mas antes que eu pudesse dizer não ela já tinha sumido, e eu vou agora para Lá, o lugar onde poderei pensar sobre tudo isso que se passou comigo. E mais que isso, pois como minha irmã disse esse é o meu destino.

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