Era acongegantemente quente e
macio. E eu acordei. E minha cabeça doía. Estava numa cabana de praia, pequena
e circular. E a cabana não tinha muitas coisas além da cama e alguns
utensílios. Então eu lembrei.
Sou uma militante, mas me chamam
de terrorista. Tentei impedir o genocídio de milhões de pessoas e a mudança
drástica da biodiversidade marinha. Mas agora estava ali, fui resgatada por
algum pescador enquanto estava desacordada, provavelmente. Mas... O que foi que
aconteceu mesmo? Eu não me lembro de muita coisa, só que na cidade eu estava a
cargo de pesquisar certa organização governamental ligada à saúde pública.
Faziam experimentos dos mais diversos com cobaias humanas, e estávamos vivendo
numa época deveras dura. Muita coisa estava errada, como se voltássemos no
tempo. Houve alguma época em que as pessoas usavam as outras? Nunca me disseram
isso, mas acho que é uma coisa óbvia. Neste mundo, aprendemos as coisas com a
vida. E eu aprendi tudo o que sei sozinha. Minha roupa era negra, mas agora ficou
prateada. Acho que levei um tiro de separador. Separador é uma arma que cria um
vácuo ou “uma ventania” no alvo, jogando-o para longe ou o perfurando. Existem
diversos tipos, na verdade. Eu descobri que iam levar a Flor Branca, uma
criação deles para que o mar ficasse doce para o meio do oceano. Eu fui atrás,
como era de minha jurisdição. Disseram-me que poderia morrer nesta missão, mas
eu disse que o melhor era parar aqueles humanóides que se julgavam superiores a
nós. E lá fui eu, persegui silenciosamente aquelas pessoas até o helicóptero (muito
maior que os convencionais, era um helicóptero de guerra, completamente prata e
preto, deveria caber facilmente umas 30 pessoas) na costa sudoeste de Arion.
Quando ele alçava vôo, eu pulei para alcançá-lo, joguei um pouco de “Ivã”,
modificando a estrutura do solo, para que eu pudesse pular mais alto. Alcancei
sem esforço e... Esperei. Dez minutos depois, comecei a avançar e logo estava
dentro do helicóptero. Estava só nesta e sabia que não seria fácil. Mas lá estava
eu. E aqueles humanóides também, junto dos seus cães humanos e armas potentes.
Eram sete e eu os matei. Porém, enquanto estava ocupado com os humanos, a
maquina foi mais rápida. E ela estava com o braço estendido e na mão, a Flor
Branca num solitário azul. Ela disse:
venha aqui. E eu fui. Com o separador numa mão e a flor em outra, aquela
humanóide disse: é inútil, isso vai salvar seu planeta e você quer desfazê-la
por simples capricho. E eu pensei desde quando eles conseguiam falar com tanta
eloqüência. Provavelmente, desde que eles se tornaram nossos senhores mestres.
E eu disse: antes destruído que governado por seres como você. E ela sorriu
novamente dizendo: mas foram vocês que nos criaram. E atirou em mim. Eu saí do helicóptero
voando, o vapor doía muito, mas não o suficiente para me desacordar. Enquanto
caía no mar, o helicóptero seguia. Caí e só então... Apaguei.
Este mundo está completamente
podre. O sol está ficando velho mais depressa que o normal, resultado das
intervenções humanas para tentar fazer justamente o contrário. Penso que tudo
que existe de errado, foram nós que cometemos errando e errando novamente, num
ciclo vicioso. É como se a tentativa em si fosse uma droga. E a cada vez que
tentamos, queremos construir algo maior em cima da tentativa anterior.
Principalmente se as primeiras não dão certo. E agora o que nos resta é um
mundo na penumbra. Vi imagens lindas, quando o Sol ainda iluminava
perfeitamente. O mundo era luminoso, branco. Agora ele é um alaranjado. Eu não
compreendo o motivo de tanta afixação pela vida. Minha cabeça dói. Mas então eu
levanto de solavanco quando penso que talvez ela já tenha sido lançada ao mar.
O chão estremece. Eu saio correndo
Cabana, é de frente ao mar, estranho e raro, nunca vi uma dessas. E de longe
vem chegando não uma onda, mas uma cor. E a cor que se espalha é vermelha. Caio
de joelhos e olho pasma incontáveis seres boiando no mar. Não consigo ter
reação. E uma espuma esbranquiçada envolve esse fúnebre líquido. Então... Levanto-me
e sigo mar adentro. Tem muitas pessoas e só as percebi agora. Elas gritam. E
dizem ver sonhos. Olho para a água, ela é vermelha, mas pode-se ver através
dela, se retirar a espuma. É doce, eles gritam. Então eu provo. É água doce...
É água de morte. E então, eu vejo sonhos. Imagens refletidas na água.
Provavelmente é algum alucinógeno que aquela maldita flor contém. E eu vejo...
A queda daquela flor do helicóptero claramente.
Provavelmente uma alucinação criada por minha mente. Mas eu não consigo
resistir a esta nostalgia, me causa nojo. A vida morta do mar vai calmamente
tomando seu lugar no túmulo da areia na praia. Lá atrás do penhasco está Arion,
com seus incríveis arranha-céus, redes de metrôs interligadas a elevadores e seus
viadutos. A Cidade-Cinza, a cidade Sem-Fim, maldita a matriz do império Zero. E
amargamente, eu acordo.
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